Qual a posição da Bíblia e da Igreja em relação às mensagens, profecias e visões que envolvem Maria e os Santos?
O pronunciamento oficial da Igreja sobre aparições e revelações estão nestes dois documentos, o primeiro é o prefácio, o segundo são as normas para procedimentos de aprovação.
Ao falarmos de mensagens, profecias e aparições devemos distingui-las da Bíblia em vários aspectos, e todas são classificadas como revelações pela Igreja. As primeiras são chamadas pela Igreja de revelações privadas e a Bíblia chamada de revelação pública. Primeiro vamos distinguir entre o que é revelação pública e revelação privada para em segundo lugar discorrer sobre como as revelações privadas se manifestam, e em outros capítulos a sua importância na história da Igreja ontem e hoje.
O fato de a única revelação de Deus destinada a todos os povos ter ficado concluída com Cristo e o testemunho que d'Ele nos dão os livros do Novo Testamento, vincula a Igreja com o acontecimento único que é a história sagrada e a palavra da Bíblia, que garante e interpreta tal acontecimento, mas não significa que agora a Igreja pode apenas olhar para o passado, ficando assim condenada a uma estéril repetição. Eis o que diz o Catecismo da Igreja Católica : « No entanto, apesar de a Revelação ter acabado, não quer dizer que esteja completamente explicitada. E está reservado à fé cristã apreender gradualmente todo o seu alcance no decorrer dos séculos » (n. 66).
Estes dois aspectos - o vínculo com a unicidade do acontecimento e o progresso na sua compreensão - estão otimamente ilustrados nos discursos de despedida do Senhor, quando Ele declara aos discípulos: « Ainda tenho muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis suportar agora. Quando vier o Espírito da Verdade, Ele guiar-vos-á para a verdade total, porque não falará de Si mesmo (...) Ele glorificar-Me-á, porque há de receber do que é meu, para vo-lo anunciar » ( Jo 16, 12-14). Por um lado, o Espírito serve de guia, desvendando assim um conhecimento cuja densidade não se podia alcançar antes porque faltava o pressuposto, ou seja, o da amplidão e profundidade da fé cristã, e que é tal que não estará concluída jamais. Por outro lado, esse ato de guiar é « receber » do tesouro do próprio Jesus Cristo, cuja profundidade inexaurível se manifesta nesta condução por obra do Espírito. A propósito disto, o Catecismo cita uma densa frase do Papa Gregório Magno: « As palavras divinas crescem com quem as lê » ( CIC , n. 94; S. Gregório Magno, Homilia sobre Ezequiel 1, 7, 8).
Vamos agora compreender o conceito de revelações privadas, no qual segundo Ratzinger: "se aplica a todas as visões e revelações verificadas depois da conclusão do Novo Testamento" e que se aplica a mensagem de Fátima, inclusive as de Vassula Ryden, Padre Gobbi e muitas outras que ainda estão processo de averiguação e contam com certa aprovação não oficiais, mas por parte da Igreja.
Não é papel da revelação privada tomar lugar da bíblia, mas de ajudar a aproveitar melhor a Palavra.
Vejamos o que diz o Catecismo da Igreja Católica sobre isto também: « No decurso dos séculos tem havido revelações ditas "privadas", algumas das quais foram reconhecidas pela autoridade da Igreja. (...) O seu papel não é (...) "completar" a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente numa determinada época da história » (CIC 67). Isto deixa claro duas coisas: (prossegue Ratzinger)
"1. A autoridade das revelações privadas é essencialmente diversa da única revelação pública: esta exige a nossa fé; de fato, nela, é o próprio Deus que nos fala por meio de palavras humanas e da mediação da comunidade viva da Igreja. A fé em Deus e na sua Palavra é distinta de qualquer outra fé, crença, opinião humana. A certeza de que é Deus que fala, cria em mim a segurança de encontrar a própria verdade; uma certeza assim não se pode verificar em mais nenhuma forma humana de conhecimento. É sobre tal certeza que edifico a minha vida e me entrego ao morrer.
2. A revelação privada é um auxílio para esta fé, e manifesta-se credível precisamente porque faz apelo à única revelação pública."
Então, Ratzinger vai confirmando no documento [1] que para medir a verdade e o valor de uma revelação privada é a sua orientação para o próprio Cristo.
«Não extingais o Espírito, não desprezeis as profecias. Examinai tudo e retende o que for bom» (5, 19-21). Em todo o tempo é dado à Igreja o carisma da profecia, que, embora tenha de ser examinado, não pode ser desprezado.
Vemos que Ratzinger ao falar do carisma de profecia, fala da profecia no sentido geral como as visões e locuções.
"Em todo o tempo é dado à Igreja o carisma da profecia, que, embora tenha de ser examinado, não pode ser desprezado. A este propósito, é preciso ter presente que a profecia, no sentido da Bíblia, não significa predizer o futuro, mas aplicar a vontade de Deus ao tempo presente e consequentemente mostrar o reto caminho do futuro.
Neste sentido, pode-se relacionar o carisma da profecia com a noção « sinais do tempo », redescoberta pelo Vaticano II: « Sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu; como é que não sabeis interpretar o tempo presente? » ( Lc 12, 56). Por « sinais do tempo », nesta palavra de Jesus, deve-se entender o seu próprio caminho, Ele mesmo. Interpretar os sinais do tempo à luz da fé significa reconhecer a presença de Cristo em cada período de tempo. Nas revelações privadas reconhecidas pela Igreja - e portanto na de Fátima -, trata-se disto mesmo: ajudar-nos a compreender os sinais do tempo e a encontrar na fé a justa resposta para os mesmos." (Cardeal Joseph Ratzinger, www.vatican.va)
- os grifos são nossos -
Sobre a profecia em forma de visão no qual também inclui as aparições, Ratzinger pelo Vaticano explica:
A antropologia teológica distingue, neste âmbito, três formas de percepção ou « visão »: a visão pelos sentidos, ou seja, a percepção externa corpórea; a percepção interior; e a visão espiritual ( visio sensibilis , imaginativa , intellectualis ). É claro que, nas visões de Lourdes, Fátima, etc, não se trata da percepção externa normal dos sentidos: as imagens e as figuras vistas não se encontram fora no espaço circundante, como está lá, por exemplo, uma árvore ou uma casa.
Sob a forma de Deus comunicar-se a essas pessoas o padre carmelita Marie-Eugene de l´Enfant ao tratar da Espiritualidade de São João da Cruz e Santa Tereza d`Ávila diz o seguinte sobre os favores e dons extraordinários: "Os favores extraordinários são produzidos por uma ação direta de Deus, que elimina toda e qualquer cooperação da alma que não seja uma passividade receptiva.
Visões imaginarias e visões intelectuais, afirmam os dois santos (São João da Cruz e Santa Teresa d`Ávila), são produzidas nas faculdades, sem qualquer atividade da sua parte e são-lhes comunicadas por via sobrenatural." [3] Sobre a discussão de que linguagem Deus usa: "Deus adapta-se, mesmo nos Seus modos de agir extraordinário, à ordem natural que nos rege. Visões e revelações divinas não apresentam nada de chocante . Deus fala, nelas, a nossa linguagem."São João da Cruz um dos maiores místicos fala sobre as comunicações sobrenaturais, inclusive as locuções: "Assim Deus aperfeiçoando o homem ao modo do homem, pelo mais baixo e exterior ate o mais alto e interior. Primeiro, aperfeiçoa-lhe o sentido corporal... (...) E quando esses sentidos já estão algo dispostos, costuma aperfeiçoá-los mais, fazendo-lhes algumas mercês sobrenaturais e regalos, para os confirmar mais no bem, oferecendo-lhe algumas comunicações sobrenaturais, tal como, corporalmente, visões de Santos ou de coisas santas, odores suavíssimos e locuções."
[3] P. Marie-Eugene de l'E. - J.O.C.D., Je veux voir Dieu - ed. Carmelo, Venasque, 1988, 1160 pg
Poderíamos levantar a questão: Com a morte do último apostolo São João teria colocado um freio na profecia posterior ? É apenas uma tese que existe, afirma Ratzinger, e que procede de um grande desprezo conforme Ratzinger vai explicando na entrevista sobre profecia cristã:
"É que a primeira vinda de Cristo restabeleceu, entre Deus e o homem, uma ligação nova que é sempre de reforçar. Assim, graças à sua própria ligação com o Verbo feito carne, o homem descobre o que Este lhe ofereceu. É precisamente esta nova relação que irá introduzir o homem na verdade total, mas também de uma forma nova, como o próprio Jesus o diz no Evangelho de São João, em que fala da descida do Espírito Santo 9. A cristologia pneumatológica que provém do último discurso, no Evangelho de São João, constitui, a meu ver, um ponto pertinente, nesta nossa reflexão, na medida em que o próprio Cristo explica que a Sua vida terrestre, em carne, não é senão um primeiro passo. A verdadeira vinda de Cristo realiza-se no momento em que Cristo já não está ligado a um lugar fixo ou a um corpo físico, mas em Espírito, depois da Sua Ressurreição, até aos nossos dias, capaz, pois, de vir a todos os homens de todas as gerações, para os introduzir na Verdade, de uma forma cada vez mais profunda. Importa lembrar este dado teológico, pois ele esclarece o tempo da Igreja em que nós estamos em vias de viver..." ler o resto da entrevista
Veja que o sentido do termo profetas é amplo: "A Igreja é fundada nos Apóstolos e nos profetas" (Cf. Ef 2,20: Ef 4,11) . Ao tempo, pensava-se que se tratava apenas dos doze Apóstolos e dos profetas do Antigo Testamento, enquanto os exegetas modernos nos dizem que o termo "apóstolo" tem uma acepção muito mais larga, tal como o termo "profeta", que inclui também os profetas do tempo da Igreja. (J. Ratzinger)
Quanto ao seu papel na Igreja:
"Ora, segundo o capítulo 12 da primeira Epístola aos Coríntios, os profetas de outrora organizavam-se como membros de um colégio*. O colégio dos profetas é também mencionado na Didakhé, o que quer dizer que existia ainda, quando a obra foi escrita.
Com o tempo, o colégio dos profetas foi dissolvido. A dissolução do colégio dos profetas não é certamente um acaso. De fato, como no-lo mostra o Antigo Testamento, a função de um profeta não é algo que se possa institucionalizar**, na medida em que os profetas dirigiam a sua crítica, não apenas aos sacerdotes, mas também aos profetas institucionalizados. Isto parece bem claro no livro do Profeta Amós, em que este fala contra os profetas do Reino de Israel. Acontece mesmo muitas vezes que os profetas livres e independentes falam contra os que pertencem a um colégio. É que, entre os primeiros, Deus encontra, por assim dizer, mais margem de manobra, mais liberdade de agir por si mesmos, no momento em que é necessário que eles intervenham ou tomem iniciativas. Visto que os dois tipos de profetas que embelezam a história da Igreja têm a sua razão de ser, parece-me que se não pode falar de uma reforma do colégio dos profetas.
No que respeita aos profetas do tipo dito institucional, importa confessar que o colégio dos Apóstolos, a exemplo de São Paulo que também foi um profeta a seu jeito, se reconhece ter não menos o seu caráter profético. E é assim que a Igreja se vê perante desafios que lhe são próprios, na medida em que o Espírito Santo encontra, no momento crucial, uma porta de entrada para intervir."
*colégio, órgão ou conselho que faz parte de uma instituição.
**Instituição nesse caso significa a Igreja.
Resumindo, Ratzinger explica no texto acima que sempre houve profetas como "órgão" da Igreja, e assim com o tempo entravam em conflito com alguma pessoa da Igreja na época, nunca com a doutrina da Igreja, e assim aos profetas eram dado o papel de tomar iniciativa e agir apara ajudar a resguardar a fé, conforme Deus intervia.
"Quanto aos profetas ditos livres ou independentes, é bom lembrar que Deus Se reserva a liberdade de intervir diretamente na Sua Igreja para a despertar, para a avisar, para a promover e santificar, justamente pelos carismas que lhe dá. Sempre na história da Igreja existiram personagens carismáticos e proféticos. E eles surgiram sobretudo numa reviravolta, num momento decisivo da história da Igreja."
A seguir Ratzinger responde por uma das grandes duvidas sobre revelações privadas:
14 - Muitos profetas, na Igreja, tais como Catarina de Sena, Brígida da Suécia e Sor Faustina Kowalska, atribuíram as suas mensagens proféticas a Cristo, que lhas revelou. Contudo, em Teologia, estas mensagens proféticas são correntemente chamadas " revelações privadas", termo que se presta a mal entendidos, porque toda a profecia autêntica é dirigida ao Povo de Deus enquanto Igreja, e não pode ser privada, propriamente falando.
Em matéria de teologia, o termo "privado" não quer dizer que uma só pessoa está implicada, e não as outras. É um termo que significa o grau e que determina o contexto. Encontramo-lo, por exemplo, na expressão "missa privada". O que importa fixar aqui, é pura e simplesmente que as "revelações" dos místicos cristãos ou dos profetas do tempo da Igreja jamais terão o mesmo lugar que ocupa a revelação bíblica, e que elas se subordinam a esta, nos enviam para ela e por ela se explicam. Por conseguinte, não se pode dizer que tais revelações não têm importância para a Igreja. Basta citar as aparições de Lourdes ou de Fátima, para provar o contrário. Estas aparições são, afinal, uma memória da revelação bíblica. E é justamente porque elas o são que têm uma autêntica importância.
Leia sobre a RCC e revelações privadas.